terça-feira, 7 de junho de 2011

Insânia - Parte 4


Por hora decidiu esperar, precisava ocupar seu cérebro que, devido a bebida em demasia, doía como em tempos ancestrais. A dor parecia penetrar até os ossos da caixa craniana, lembrou do jogo que passaria na TV Estatal, louvado seja Charles Johann Walcker! O governador criara a TV Estatal para que a população mais pobre tivesse acesso a divertimento. Com a totalização das TV’s pagas, a Estatal era a única rede de TV aberta, e se esforçava para ser melhor que as TV’s pagas. Transmitia agora o jogo da final estadual, o cérebro ordenou mandou sinapses aos neurônios, a essa altura danificados pela bebida, e tentou entender na sua confusão mental se o time do coração, o Nacional, vencia ou não o Foot Ball, quando conseguiu entender, deu-se conta que o Nacional perdia de dois a zero para o arqui-inimigo Foot Ball.
Olhou, um pouco sem entender, o que se passava. Dois ópios em um, televisão e futebol, uma é formadora de opiniões, o outro de lunáticos, nos tempos da televisão aberta, ela mandava no que você deveria pensar, era capaz de fazer com que se tomassem decisões baseado no que seus comentaristas diziam, atacava ou protegia governos de acordo com os seus interesses, mentia, manipulava, omitia, mostrava a verdade que lhes convinha, e nunca pedia desculpas pelos seus erros, esmiuçavam a vida de qualquer um, e quando viam a inocência da vítima, a abandonavam, sem direito de defesa, como chacais depois que se desinteressam por sua presa depois de acabar com ela, e a deixam como chacota para as sorridentes hienas! E as hienas eram piores, viviam de sobras, de verdades absolutas do que se dizia no deus de ondas analógicas! Deveria ser deus de ondas ilógicas, nunca se podia confiar na televisão, ela que deveria esclarecer de um tempo para o outro, não se sabe dizer exatamente onde, teria ficado humana demais, pois não se podia mais confiar no que ela dizia, a televisão era capaz de deixar pessoas cegas, surdas e mudas, afinal para que pensar? Ela fazia isso por você, que tem a mente fraca, totalmente manipulável, um verdadeiro tevidiota, ah que termo interessante, a televisão como agente idiotizador, era a máquina perfeita de criar imbecis! Louvado seja o Senhor Governador Charles Johann Walcker! Nos deu ao menos uma televisão um mínimo decente, tem tudo o que as outras tem, violência, esportes e pornografia, mas em horários que crianças não a vêem. Existem também os telejornais, mostram as “maravilhas” da administração, claro que não deixa de fazer rápidos registros sobre a oposição, ao menos não esmiúça a vida de inimigos, como da vez que o maior crítico do PNS, o partido do governador, foi pego extorquindo prostitutas em  um motel clandestino, uma batida policial  o decobriu. Comenta-se que o próprio governador interveio para que a notícia não fosse veiculada na TV Estatal, o mesmo não pode se dizer dos jornais, mas como se tratava de um figurão, a notícia não foi muito adiante, é capaz que este mesmo figurão seja eleito nas próximas eleições, as pessoas tem memória curta para a política.
Mas o mais incrível é que hoje, apesar de tudo, a TV talvez seja a única maneira de reunir uma família, é provável que esta caixinha seja uma das poucas coisas que se pode chamar de lazer coletivo, as famílias se reúnem para ver um programa que tem o intuito de transformá-la em uma alienação institucional. O que terá acontecido com as velhas mesas de jantar?com passeios? com viagens e afins? Será que é só na frente de uma televisão que marido e esposa podem ficar juntos e ter romances inverossímeis? Será que o único momento em que irmãos deixam de brigar é para assistirem os seus programas favoritos em comum? Isso caracteriza outro problema, a televisão é a babá do século vinte e um, ela repete bordões centenas de vezes, passa desenhos cada vez mais violentos, estimula a competição e explode monstros gigantes, e os ´pais se preocupam? Doce ilusão, por óbvio que não, enquanto elas estão na frente da televisão, ficam quietas, e isso para eles compensa qualquer coisa.
Hoje as atividades entre pais e filhos são resumidas a ficar frente a uma televisão vendo futebol, e este último é um outro fenomeno que ainda precisa ser explicado, se é que existe uma explicação.
Nenhum filósofo seria capaz de explicar essa paixão, essa vibração, essa entrega de um homem por uma paixão eterna, nenhum filósofo explicaria! Ah que saudades de Aristóteles, de Platão e de bons filósofos!
O futebol é uma espécie de televisão, também deixa as pessoas cegas, surdas e mudas, mas de paixão, o futebol não pensa por ninguém, pelo contrário às vezes faz com que deixemos de pensar, nos guiamos por um sentimento de devoção que acredito que nenhuma religião no mundo tenha, os islâmicos tem de ir à Meca ao menos uma vez na vida, no futebol não ir ao estádio regularmente é quase uma heresia, é algo impensável, o torcedor de verdade é fervoroso, engajado, imutável! Soa quase ridículo sofrermos por uma instituição, sim, pois os atletas jamais serão sempre os mesmos, quem paga mais compra o melhor jogador, mas não compra os melhores torcedores, isso não tem preço, é algo de nascença, Então torcemos por um símbolo, para uma ou mais cores e odiamos com todas as forças as cores do adversário, torcemos por uma história, por uma superação nossa por sobre outra paixão, algo um tanto quanto irônico, todos recorremos a Deus, quando nossos times vão mal, mas, será que o Deus do meu time é mais forte que o Deus do time adversário? É uma pergunta cretina na verdade, e a verdade é que somos influenciados desde o berço, com roupas, com bolas, camisetas e apetrechos do time do coração de nossos pais, e qual seria a pior coisa para um pai? Ver seu filho torcendo pelo outro time, é interessante, não há ainda nada que explique o que leva um cidadão comum a deixar o conforto de seu lar para gritar como um louco e incentivar onze homens usando uniformes iguais e com números diferentes, que ganham salários no mínimo cem vezes maior do que qualquer cidadão comum, e alguém acha que isso importa? Claro que não, do mais rico ao mais pobre, todos são mobilizados por este esporte, os assuntos em mesa de bar são sobre futebol, as piadas de segunda-feira são sobre futebol e as vezes mortes são em nome dos deuses da bola. Vinte e dois homens correndo atrás de uma bola e intentando chutá-la entre três traves, realmente não me entra na cabeça,
- Vamos Nacional! Merda de time!
Mais uma vez evoco o nome do Governador, nos deixa ver jogos sem precisar sair de casa, ele que com dezessete anos fez o gol que deu o título mundial de juniores para o Foot Ball, louvado seja!

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