quarta-feira, 25 de maio de 2011

Insânia - parte 2


O gosto da carne gelada bem como da gordura recendiam na sua boca, e o vinho não parecia fazer com que o gosto desaparecesse, continuava impregnado na sua cavidade bucal. Seis ou sete copos de um vinho terrível não fizeram nenhuma diferença. Paciência, desapareceria quando ele menos esperasse, com ou sem a ajuda do vinho tinto suave proveniente de um garrafão de cinco litros que ele havia guardado por ocasião de sobra das últimas festas juninas.
Coçou a barba, parecia ter se acumulado mais sujeira por de baixo das unhas, não deu importância. Veio uma flatulência bucal que lhe deixou um gosto azedo na boca e, em seguida, uma flatulência intestinal pedregosa terrível, veio junto a um mau cheiro que poderia vir do cais. Continuou ouvindo o barulho, sutil, leve, eram sem dúvida elas, vinham sorrateiras, fazia pouco mais de um dia que ele as avistara pela primeira vez, agiam como se ele não estivesse ali, agora prostrado no chão esperava pela volta delas, e os ruídos davam a impressão de que apareceriam a qualquer momento. Esperou paciente por duas horas, enquanto divagava sobre a sua condição, jovem ainda, era verdade, interessante quando limpo encontrava-se e por algum motivo que não conseguia entender, misturava o rosto da namorada com o de outras mulheres, estranhava não sentir sua falta, haviam conversado por telefone há quatro dias, um pouco antes da bateria do seu celular ter acabado, e ele não sentia a mínima vontade de colocar o carregador na tomada para poder usá-lo novamente. Um dos principais  motivos de  sua desgraça foi ter se envolvido em uma história não bem esclarecida entre quatro funcionários, um pequeno desvio de verbas que não deu certo porque fora descoberto por superiores, assim veio a sua demissão e o naufrágio de suas idéias e planos em curto prazo, após esse incidente sentiu-se como um trapo, e decidiu que viveria assim, até recuperar-se do baque, o que não vinha acontecendo, lembrou que teria uma ficha suja a partir de agora e conseguir emprego seria um tanto difícil, ao menos em Mengálvia, talvez mudasse de cidade, ou, quem sabe, voltaria para o interior, ainda com a vergonha estampada no rosto, e enfrentaria seus pais e todos os sermões sobre ética e moral, sobre uma conduta limpa, sobre a honestidade! Quanto mais pensava nisso menos vontade tinha de voltar para o interior do estado. E se mudasse de estado? Sim, poderia ir para outro estado e tentar recomeçar a vida, porque não? porque não tinha dinheiro, por que mais seria? Roger, Roger o que diabos fizeste de sua vida?
Os ruídos de novo, só podiam ser elas, não tinha mais dúvidas, desgraçadas vinham sem ninguém convidar, penetras de uma figa, malditas, vivem do resto dos outros, do que a sociedade não quer mais, parasitas da podridão, odiosas, não suportava a presença delas, nojentas. Segurou  o osso com mais força, colocou  a língua para fora, cerrou o olho direito e fez mira, assim que viu a primeira perna, concentrou a força no braço direito, quando viu as três entrarem juntas, focalizou o que poderia se chamar de centro crítico do terceto e atirou o osso de galinha com toda a força, conseguiu arrancar uma perna, da que se encontrava mais a direita, o que não a impediu de correr junto com as outras para algum outro canto da sala, Roger G. não levantou-se para pegar o osso que havia jogado, melhor que ficasse por lá, seria um atrativo para que elas voltassem mais tarde, e ai tentaria com um osso maior, tentaria desta vez o óbito, não apenas arrancar uma perna, queria ao menos esmagar uma delas.

terça-feira, 24 de maio de 2011

Insânia

Caros, Insânia foi escrito em uma semana e meia, foi um transe de criatividade que tive, é um livre que reúne todas as minhas influências, o realismo fantástico de Gabbo, o absurdo de Kafka, as tristezas de Heminghway, a busca da humanidade de Dostoiévski e a junção de palavras de Joyce.

Não me atreveria a tentar achar uma definição para o livro, nem mesmo um estilo, ele foi fruto da minha experiência (ou a falta de ) na política, no trato com seres humanos e em algumas teorias que eu defendo, pois eu mesmo criei.

Espero que gostem deste romance, ensaio, crônica ou sei lá o que, como falei, não arriscarei em definir.

INSÂNIA


Após seis dias sem comer Roger G. começou a sofrer e a sentir os efeitos da fome. A barba de seis dias coçava-lhe o rosto, suas unhas haviam crescido e uma sujeira se encruava por de baixo delas. A pele criara uma oleosidade que o calor de vinte e oito graus ajudava a agravar, tinha agora um aspecto de papel prateado, reluzente.
         Trajava apenas cuecas, já amareladas devido ao suor que havia se impregnado na costura virilhal, suas axilas exalavam algum odor quase indefinido, acro, repugnante, como queijo podre. Ele agora aguardava, os ossos estavam ao seu alcance, assim que elas aparecessem G. os atiraria nelas. Olhando agora para os ossos com alguns fiapos de carne e saliva ele conseguiu lembrar do gosto estranho que provara, quanto tempo estariam guardados na geladeira? Desde a última visita da mãe há dez dias? Roger G. não saberia precisar, era a única coisa que havia na geladeira, e o aspecto da carne, assim como o dele não era nada saudável.
A penumbra da tarde não entrava pelas parcas frestas inexistentes da cortina da janela, no seu apartamento hermético, no térreo, em uma área nem tão nobre de Mengálvia, na verdade a área pobre da cidade, perto do porto! Era possível acordar ali com o apito de navios e com cheiros que faria as pessoas de estômago mais frágil vomitarem. Era uma quarta-feira, belo dia para reagir! Pensou Roger, ninguém sai de casa numa quarta, ninguém bebe em bares numa quarta-feira, ninguém tem saco para ninguém numa quarta-feira. É o meio da semana que separa a droga da segunda e a subseqüêncial terça da alegria disfarçada da quinta e da euforia secreta da sexta e, posterior, o fim de semana celebrado como a libertação da rotina, seja ela qual for. É nos finais de semana que as pessoas são o que realmente são, de veados a putas, todos se tornam o que sempre foram, num fim de semana.
Ouviu agora um discreto barulho, eram elas? Empunhou um pequeno osso de galinha que já estava ao seu lado por algumas horas, a experiência de comer sobras não foi tão aterradora quanto ele pensou, seis dias são suficientes para derrubar velhos tabus, assim sendo o frango veio em boa hora, achava ter mais coisas de reserva, mas tinha somente bebidas em grande quantidade, colecionava-las em escala, bebia uma garrafa de qualquer coisa por dia em sua nova situação levantava-se apenas para as necessidades fisiológicas, e, ainda assim, quando estas eram iminentes.

Tempo - Parte final


E Pôs-se a escrever um ofício dirigido a câmara dos vereadores para que votassem com regime de urgência a lei que igualava o tempo de Mengalvia ao resto do Mundo. Em caráter obrigatório mandou que a lei valesse no exato momento em que fosse aprovada. Achou que seria fácil, mas ainda demorariam oito semanas para que se aprovassem tudo, pois queriam ter a certeza de que receberiam o dinheiro correspondente aos cinco anos que seriam pulados no calendário. Depois de muita conversa, brigas de interesses e uma rodada para ver quem imaginava a coisa mais absurda com a água, foi reunida toda a população, na parte seca da cidade, foi feito um palco descomunal, houve jantares nababescos, pois alguns se deram conta de que poderiam morrer nesta passagem de tempo, e queriam despedir-se de todos os seus amigos, os espanhóis reivindicaram que queriam o seu rio artificial pronto, o Nacional reclamava que não poderia ter a revanche contra o Foot Ball, no que estes responderam que não se preocupassem pois nem em cinquenta anos conseguiriam ganhar deles, e erraram por apenas um ano. Quando a totalidade da população fez-se presente, o prefeito solenemente tomou a caneta entre os dedos, pairou-a no ar, e com ar nostálgico falou:
            - Damas e Cavalheiros, nos vemos em cinco anos!
            Depois que terminou de assinar, por um milésimo de segundo tudo ficou vazio.

            *                                                         *                                                         *

            No milésimo seguinte as coisas deram um salto temporal de cinco anos, e apareceram crianças que outrora haviam desaparecido, casais que nunca se haviam visto antes acordavam na mesma cama, filhos sumiam, mães em desespero faziam seus enterros simbólicos, e tempos depois chegavam cartas dizendo que por algum motivo foram parar na Europa para estudar, fortunas enterradas descobriam-se gastas por desespero, roupas novas estavam velhas e cheias de traça, velhos conhecidos se viam separados por alguma birra que não lembravam , centenas de bebês apareceram em casais que mal haviam começado a namorar, e outros tantos casais apaixonados descobriam-se com novos pares, casas novas viam-se em lugares onde antes só existia mato, novas lojas traziam a moda atual da Europa, o comércio quadruplicara, uma legião de gente desconhecida apareceu na cidade de um segundo para o outro, quando alguém teve a idéia de ver os jornais muita coisa se explicou, viu-se os registros jornalísticos e se descobriu que o Nacional havia perdido todos os últimos vinte jogos, que o Foot Ball, havia estado no país vizinho e vencido a seleção deles.
            Os Espanhóis se viram a doze metros de concluir o seu rio, o que encheu de raiva o conselheiro da aldeia, pegou sua pá, atirou-a com toda a força no chão.
            - Porra, não se pode mesmo confiar em políticos!
            Apenas uma coisa não mudou, a chuva que caia ininterrupta, mas já poucos se lembravam da brincadeira de materializar pensamentos, e quando os mais antigos diziam isso, eram internados no novo hospício que acabara de surgir perto da estação de trem que nunca tinha existido antes.
            Magalhães, despertou-se ao lado de uma mulher que parecia prometer beleza em seus traços de outrora, viu-se gordo ao extremo, com olheiras, careca no topo da cabeça, grisalho e assaltado pela bebida, olhou a janela e a chuva continuava, e só ai se deu conta, levantou-se descobriu que gastara seu dinheiro em farras e mulheres, bebidas e jogos, foi falar ao prefeito e descobriu este moribundo em sua cama, com a pata santa deformada pelo reumatismo, com algumas penas que ameaçavam nascer nos braços, a boca bicuda e uma voz gutural e lamuriosa.
            - E esta chuva que não passa Magalhães!

Como falei, achava eu que escrevia bem, mas se gostaram talvez eu disponibilize Insânia para que vocês leiam, foi o meu seundo romance!

Um abraço e obrigado pela audiência

Tempo - Parte IV


Foi assim que se deu a moda de imaginarem as mais absurdas coisas para que tomassem forma, e cada um imaginou seres deslumbrantes, máquinas voadoras que o Senhor Magalhães tratava de copiar em papel que logo se desfazia devido a umidade, foram descobertas fortunas em famílias que se faziam de pobres, amantes em mulheres casadas, desejos reprimidos e guardados no foro mais intimo, pactos com o demônio, pervertidos sexuais, concubinas virgens e um diabo que deve ter sido imaginado demais, ganhou vida própria e saiu caminhando em direção ao rio, falando com voz diluída que moraria lá sem incomodar ninguém. Até que aconteceu o que o prefeito temia, perto da casa de uma das Senhoras da sociedade, tomou forma o corpo do prefeito nu, e descobriu-se que além dos pés de pato, o prefeito possuía uma penugem na virilha, e logo foi alvo de chacota, a cidade subdividiu-se naqueles que achavam que aquilo era uma imaginação encomendada e outros que realmente achavam que o prefeito virava ave aquática. E não faltaram oportunistas e inimigos que pagavam as pessoas para que imaginasse Facundo Mengalv Sobrinho Segundo com as partes anatômicas mais absurdas possíveis, quando se chegou a conversa ao extremo leste da cidade em forma de “U”, local habitado por espanhóis, Nicanor Luciz, o conselheiro do vilarejo argumentou:
            - Mande-os para cá, assim não temos que cavar um rio como idiotas!
            Era fato que fazia quase três meses que cavavam em meio ao pó do meio dia, ao desespero da uma, a angustia das duas, suavam no desespero das três, desidratavam ao alarde das quatro, choravam para beber suas lágrimas as cinco, desiludiam-se as seis, abandonavam tudo as sete e voltavam a fazer planos para o dia seguinte as oito, com essa lamurienta vida já haviam cavado quase dois quilômetros, só paravam a noite, para que os filhos, Jacinto, o autor inconsciente da chuva, e Juanito o gigante de coração mole, pudessem treinar junto com o time do Foot Ball. E, claro, para beberem no bar e refazerem-se do seu dia de Sofrimento.
            A teimosia estava no sangue dos Espanhóis, a esperança, nos rostos dos italianos e o conformismo, no semblante dos noruegueses.
            E a raiva em cada fibra do ser de Facundo Mengalv Sobrinho Segundo, bufava, passava o dia a remoer raivas, aumentou o preço para que pudessem idolatrar o seu pé direito, e muitos o consideravam ainda mais santo pois podia ter várias formas, como os santos, já outros defendiam que o demônio também tinha várias formas, o fato era que, ele, sendo homem ou o que quer que fosse naquele momento, já não agüentava mais a falação em torno da sua pessoa, irritado e aos berros mandou mandar chamar Magalhães:
            - Sabe por que merda o seu maldito invento não sumiu? – Ante o silêncio de Magalhães respondeu:
            - Porque finalmente não temos mais cinco anos de atraso, está na hora de ajeitar toda esta porra!

Tempo - Parte III


Com tanto sucesso,foi possível determinar horários, uma vez que o prefeito já não podia despachar em paz, pois sempre havia alguém para tentar tocar-lhe os pés, fosse a hora que fosse.
            O Senhor Magalhães começou a se interessar por outros investimentos, ao ver que as pessoas se cobriam com lonas, descobriu que os mengalvianos estavam mais atrasados do que poderiam supor, e quando perguntou a um transeute que saia da parte chuvosa para a seca, se conheciam o guarda chuva, este o olhou com cara de espanto e lhe perguntou:
            - Guardar aonde? Em potes?
            Resolveu fabricá-los de forma artesanal, e por óbvio ganhar dinheiro com isso, e quando se soube da novidade, e testemunhas juraram que um homem havia saído do seco para a parte molhada e havia voltado com noventa por cento do corpo seco, foi um sucesso de venda, espalhou-se a novidade, e as vésperas do jogo entre o Nacional e o Foot Ball, o time vermelho do Nacional, formado por descendentes de noruegueses, resolveu comprar guarda-chuvas para todos os seus atletas, que seriam obrigados a jogar pelo menos um tempo em baixo de chuva, e quando ofereceu-se o guarda-chuva ao time azul do Foot Ball, formado por italianos e espanhóis, estes responderam que não usavam coisas de maricas, e que jogariam até de baixo de uma chuva de canivetes, quando inventassem estes, pois queriam ganhar, e não se preocupar com o garboso uniforme. Era verdade, o Foot Ball venceu por sete a zero, e os presentes, que preferiram o lado seco do campo, se riam muito quando os jogadores do Nacional chegavam ao lado seco, pois se desocupavam da bola, para fechar seus guarda-chuvas. E mais hilário ainda foi o goleiro que num descuido, preocupado em ajeitar a sua boina, levou um pelotaço que o jogou com guarda-chuva e bola para dentro de uma das goleiras. Os jogadores do Nacional atribuíram a derrota aos azarentos guarda-chuvas, convencidos de que abri-los em qualquer parte dava azar.
             Enquanto o pé direito do prefeito era endeusado pelos quatro cantos da cidade, e das províncias próximas, trazendo gente de tudo quanto era lugar, e a chuva continuava a cair tristemente, esta parecia cada vez mais palpável, penetrante no pensamento, e assim o foi, estranhas formas começaram a ser encontradas pelos cantos chuvosos da cidade, fragmentos de histórias antigas, objetos perdidos e desejados com desejo secreto, pessoas longiquas que de uma hora para outra materializavam-se aquosamente em qualquer canto da cidade, mas sempre próximos de onde se havia pensando com maior fervor.

Tempo (parte II)


Algumas coisas interessantes além da chuva aconteciam em Mengalvia naquela época, jornais davam conta de que um canibal invisível havia sido capturado, mas quando a multidão foi para lá e viu uma jaula vazia, se decepcionaram, muitos irritados se perguntavam:
            - Bem, e onde está o tal canibal invisível?
            Outros noticiavam a boca pequena que estava por surgir um novo rio na cidade, na parte seca, no vilarejo dos espanhóis, que estavam muito empenhados em cavar desde o cume do morro da divisa até um poço localizado no seu vilarejo, pois já se tinham cansado de ir buscar água longe.
            Noticiava ainda o terceiro jogo entre o Nacional e o Football, em comemorações a alguma coisa que nem os idealizadores do jogo souberam explicar.
            A Prefeitura ficava do lado chuvoso da cidade, onde outrora fora a casa do fundador Joseph Mengalv, agora era o palácio da prefeitura, um prédio rústico, devido a ação da chuva, Facundo Menglav Sobrinho Segundo era o prefeito da cidade, ocupado em tentar manter a ordem tanto do lado da seca quanto do lado da chuva, e as queixas eram recíprocas, nunca havia ninguém contente. O Senhor Magalhães, o mesmo do invento adentrou a sala do prefeito com a jura de que tinha a solução para as pessoas que viviam do lado molhado, o prefeito nada falou, o observou atentamente, enquanto o homem tirava de sua mala o que ele batizou de adaptador de pés de aves aquáticas para seres humanos, Facundo nada falou, pediu ao homem que se aproximasse, tirou os sapatos e lhe mostrou os seus pés, com membranas entre os dedos e garras na ponta, para que pudesse andar no barro.
            - Isso é incrível! – Afirmou Magalhães
            - É uma merda, - respondeu o prefeito – me fura todas as meias que tenho!
            Magalhães pôs-se a pensar e por fim deu uma idéia ao prefeito, que de pronto a aceitou, e passaram a cobrar dez mengalvetas para quem quisesse ver os pés do prefeito, vinte para fotografar, e trinta para tocar, e não faltou gente para fazer isso, filas se formaram, e foi espalhado que tocar os pés traziam sorte, e dentro em pouco havia quem pagasse cinquenta para beijar o pé do prefeito, formou-se uma feira livre na frente da prefeitura, onde se vendiam medalhinhas com fotos do pé do prefeito, réplicas em barro, para que fossem cultuadas em casa, raspas que um rapaz a plenos pulmões dizia serem legitimas escamas dos pés do prefeito e pessoas em romaria para agradecer ao santo pé direito de Facundo Mengalv Sobrinho Segundo que segundo uma senhora disse lhe havia curado da vesícula.

Tempo.

Tempo foi uma crônica que eu escrevi um pouco antes de meu filho nascer, na época eu estava convencido de que tinha o veio da escrita, não ficou ruim, com certeza não, mas esbarra no adorável sentimento de que fizemos algo realmente bom.

Deixo aqui algumas linhas, caso for de interesse deixarei mais, depende do gosto de vocês.


Grande Abraço!


TEMPO

Quando já se haviam transcorrido mais ou menos dois anos da chuva que dividia a cidade ao meio, apareceu por Mengálvia um homem, forasteiro, rechonchudo e de bigodes, ouvira falar da cidade dividida pela chuva, e se interessou. Como Mengálvia estava na época cinco anos atrasada em relação ao resto do mundo, preferiu chegar até a cidade no transbordo que se fazia dos modernos navios para uma embarcação rústica, já que as embarcações mais modernas não resistiam ao anacronismo da cidade, e as companhias de seguro já estavam fartas de ter que pagar indenizações por embarcações que, ou afundavam, ou desapareciam como passe de mágica, era proibido casais com filhos na cidade, pois logo que colocavam o pé em solo Mengalviano, a criança desaparecia por encanto, e os casais em questão de minutos, e dependendo do tempo de relacionamento, passavam a tratar-se como estranhos, ainda assim, era muito procurada por pessoas que queriam iniciar uma vida nova, e por aqueles que carregavam alguma mágoa no passado recente, e iam para lá para esquecer-se de suas amarguras asfixiantes.
            O rechonchudo Senhor de bigodes, que era caixeiro viajante, mascate e oportunista, usou de sua astúcia, e resolveu anotar num pequeno caderno o resumo das coisas mais importantes que havia vivido, sem esquecer de anotar também o que vinha fazer na cidade, além de um detalhado manuscrito de seu invento engenhoso, que segundo ele iria resolver o problema de muitas pessoas em Mengalvia, colocou em um de seus bolsos o caderno mais antigo que tinha, escrito todo ele a pena, para que não houvesse nenhum risco. De fato, ao pisar na cidade, descobriu-se desorientado. Ao colocar a mão no bolso, leu o que indicava o caderno, seguindo instruções abriu a sua maleta, e se deparou com o que carregava, olhou com ar de intriga o objeto, folheou algumas páginas do seu caderno e se deparou com o que ele mesmo tinha inventado. Ah sim! Para andar na água! Disse ele, enquanto se perguntava o porque de ter anotado tudo aquilo, folheando algumas páginas mais descobriu o porque, ah sim, falar com o Prefeito.